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21 de out. de 2014

William

Eu nasci e fui criado numa caverna. 
Desde pequeno, eu tinha o sonho de fazer algo que marcasse a história, de ser alguém importante. Mas o tempo se encarregou de me tornar apenas mais um senhor que cultivou  a paz e o amor na nossa comunidade. 
Hoje eu entendo que este foi o meu grande feito! Isso para nós é o mais importante, é o nosso legado. 

Aqui nunca nos faltou nada. Do líquido que nos mata a sede à aves, terrestres e peixes (como conhecemos). 
Consideramos isso uma imensa riqueza e nos orgulhamos muito de cultivá-la. 

Aqui na caverna, todos somos iguais. Indiferente do tamanho e da cor. Tem uns amarelos, outros mais escuros e outros são branquelos. Mas acima de tudo nos amamos e nos respeitamos, preservando a espécie com o ótimo relacionamento que temos uns com os outros. 

Por aqui os mais velhos ditam as regras e contam as histórias. E são muitas!
Falam do mundo externo sobre guerras, poder, ódio, vinganca e tantas outras coisas que nos dão medo só de pensar. 

Certa vez perguntei a meu pai por que, nas histórias, os mais fortes sempre venciam. Ele apenas me olhou. Eu me lembro como se fosse ontem. Ele se foi e nunca conseguiu me responder. 

Meu pai dizia que os mais inteligentes se trancavam em cavernas (assim como nos) e lá passaram o resto de suas vidas sem contato com o mundo externo. 
Já tive vontade de sair daqui algumas vezes, mas sempre que penso nesta loucura ouço a voz de meu pai dizendo quanta inveja, violência e deslealdade o homem dissemina mundo afora. 
Eu então faço mais um desenho e brinco com a criançada. 

Vez ou outra alguém foge daqui. Mas logo volta, assustado, em pânico, louco. 
Falam que as pessoas se matam, que as coisas andam sozinhas e que tem aves gigantes cagando fogo por todo lugar!
Eu queria que o mundo lá fora fosse igual ao nosso e que meus filhos pudessem desfrutar de uma vida fora de uma caverna, mas sei que  isso não acontecerá tão cedo. Então a gente mantém a mesma vida, a mesma rotina há muito tempo.

Mas independente de todos os sonhos e promessas não cumpridas, sou um homem realizado. Criei 2 filhos e já tenho 2 netos. O segundo nasceu há pouco, mas sei que pouco curtirei ele. Eu estou velho, já, e sinto que preciso descansar. 
Eu só peço  mais amor, e antes de dormir, faço uma breve oração agradecendo por tudo o que temos e por cada um de nós. 

Eu sou William, câmbio desligo.